Nos últimos anos, um fenômeno peculiar tem ganhado espaço no Brasil: a febre dos bebês reborn. Essas bonecas hiper-realistas, meticulosamente artesanais, despertam reações intensas — de fascínio a desconforto. Mas o que explica essa epidemia? Por que um objeto lúdico gera debates acalorados e movimenta milhões no mercado de brinquedos?
O Epicentro da Polêmica: Fantasia ou Fuga da Realidade?
A polêmica em torno dos bebês reborn ganhou força em maio de 2025, quando vídeos viralizaram no TikTok e Instagram mostrando adultos tratando essas bonecas como filhos reais: agendando consultas médicas, ocupando assentos preferenciais em transportes públicos e até criando perfis nas redes sociais para elas. Um caso emblemático em Goiás, onde um casal disputou judicialmente a “guarda” de uma boneca avaliada em mais de R$ 3 milhões, gerou debate à tona. A peça, que possuía enxoval próprio e uma conta no Instagram com monetização, tornou-se um símbolo de como esses objetos podem ultrapassar a fronteira do brinquedo, assumindo papéis emocionais e até financeiros.
Por um lado, os críticos apontam que tratar bonecas como crianças reais pode ser um sinal de desconexão com a realidade, levantando preocupações sobre saúde mental. O psiquiatra Daniel Barros, em entrevista à CNN Brasil, destacou que, embora a maioria dos casos seja apenas uma forma de brincadeira, o apego excessivo pode ser preocupante quando uma pessoa nega a natureza inanimada do objeto. Por outro lado, os defensores argumentam que há uma visão machista nas críticas. Como observou um usuário no X, se homens de 40 anos colecionavam figuras de ação sem questionamentos, por que mulheres não poderiam encontrar prazer em cuidar de bonecas?.
O debate chegou ao Congresso Nacional, com a apresentação de três projetos de lei em maio de 2025. Um deles, o PL 3.757/2025, de autoria do deputado Cristiano Caporezzo, propõe proibir o atendimento de bebês renascidos no SUS, citando casos em que pessoas procuram serviços médicos para bonecas, como uma mulher que alegou que seu “bebê” estava com febre. Outro projeto, o PL 2.323/2025, da deputada Rosângela Moro, sugere acolhimento psicossocial para quem desenvolve vínculos afetivos intensos com essas bonecas, apoiando seu potencial terapêutico, mas também os riscos de dependência emocional. Essas iniciativas refletem uma tentativa de equilibrar as especificidades entre liberdade individual e proteção social.
O Realismo que Desafia a Percepção dos Bebês Reborn
Criados para imitar recém-nascidos com precisão anatômica — desde veias delicadas sob a pele até o peso e textura do corpo —, os reborns transcendem o conceito de brinquedo. Artistas especializados empregam técnicas de pintura em camadas, uso de vinil médico e até implantação de cabelos fio a fio. O resultado é perturbadoramente realista, desencadeando um efeito psicológico conhecido como “uncanny valley” (vale da estranheza), onde a semelhança quase humana gera repulsa em alguns e apego em outros.
A Polêmica Brasileira: Saúde Mental ou Direito ao Consumo?
No Brasil, a discussão ganhou contornos éticos. Psicólogos alertam para possíveis distorções emocionais, especialmente quando adultos atribuem identidades humanas às bonecas, tratando-as como filhos. Casos extremos, como mulheres que abandonam relacionamentos por priorizarem os reborns, viralizam nas redes, alimentando o debate.
Por outro lado, defensores argumentam que essas peças funcionam como terapia para mulheres em luto perinatal, idosos com saudade da maternidade/paternidade ou colecionadores de arte realista. A questão central: até que ponto o Estado ou a sociedade podem interferir em escolhas afetivas e de consumo?
O Mercado em Expansão: Luxo, Arte e Especulação
Enquanto a polêmica persiste, o setor de brinquedos registra um boom. Um reborn premium pode custar de R$ 3.000 a R$ 15.000, dependendo do artista e dos detalhes. Plataformas como Etsy e Mercado Livre relatam aumento de 200% nas vendas desde 2020.
O fenômeno também impulsionou nichos paralelos:
Acessórios premium: roupas de marcas infantis de luxo, carrinhos ergonômicos.
Cursos de confecção: workshops online que ensinam técnicas de escultura e pintura.
Colecionadores internacionais: brasileiros se destacam em feiras especializadas na Europa e EUA.
Um Reflexo das Necessidades Contemporâneas?
Os bebês reborn são mais que bonecas; são espelhos de uma sociedade que busca preencher vazios afetivos através de objetos. Seja como arte, consolo ou obsessão, seu impacto econômico e cultural é inegável. A polêmica, longe de arrefecer, sinaliza que estamos diante de uma discussão profunda sobre os limites entre o real e o simulado — e sobre como o mercado se adapta aos desejos mais complexos do ser humano.
Questione-se: O que o sucesso dos bebê reborn revela sobre nossos anseios? E você — vê neles um objeto de conforto ou um sinal de distorção social?